20111023

eu sou do sul.

Chegando hoje à estação central de Milão, com o frio do inverno se aproximando, como uma boa gaúcha bateu a vontade do chimarrão. Mais do que nunca.

Eis então que entro no mercado de "comida internacional" e encontro a erva-mate da MINHA CIDADE! Em frações de segundos um pacote já estava na minha mão.




Assim como o post do leite condensado, eu me coloquei a questão: mas da onde mesmo veio essa tradição? Quem pensou primeiro nela?

ORIGEM:
Talvez seja uma das poucas coisas realmente locais. O chimarrão não foi importado por nenhum colonizador ou imigrante. A origem vem das tribos do sul da América do Sul: guaranis, quíchuas e aimarás.
São três elementos particulares que compõem o chimarrão:



1 - A cuia é um fruto. Da cuieira (óbvio, não?), também conhecida como Porongo. A proporção entre a boca da cuia e depois a parte mais estreita faz o chimarrão ser melhor ou pior. Nada como a experiência para escolher a melhor opção.
O chimarrão bom é tomado na cuia de porongo, que pode ser enfeitada com ouro, prata ou encisões. Existem outras versões, em metal ou vidro, mas garanto que não é a mesma coisa. "Curtir" a cuia, deixar que ela absorva o sabor da erva-mate é como a cafeteira Moka na Itália. A qualidade do chimarrão aumenta.
Na língua dos quíchuas, matty era a cuia, o que mais tarde virou mate.






2 - A bomba. Talher normalmente feito de prata e enfeitado com pedras preciosas ou semi-preciosas, é anatômico e feito especialmente para o chimarrão. Tem uma peneira um pouco maior de uma moeda para que a erva seja filtrada, e na outra ponta uma piteira, muitas vezes em ouro.



3 - A erva-mate. Ilex paraguariensis é o nome científico, planta subtropical do Sul e Centro-Oeste da América do Sul. A árvore é de pequeno porte e necessita de sombra. A cultivação vem sendo mesclada com a da Araucária, pinheiro praticamente em extinção existente só no sul do Brasil. Esta filtra o sol para o plantio da Ilex, e ao mesmo tempo evita o desgaste do solo.


IRONIAS DA VIDA:

Ao contrário do que as más línguas falam da erva, ela tem altos poderes afrodisíacos, sendo ingerida contra a infertilidade e a impotência. (GIL, Felipe. No rastro de Afrodite: plantas afrodisíacas e culinária).


No século XVI os jesuítas chegaram a proibir o chimarrão nas reduções do Guairá, chamando a erva-mate de erva do diabo. No século seguinte, os mesmo incentivaram a retomada do chimarrão para vencer o alcoolismo.


Procurando na internet, achei um texto muito bom do Pércio de Moraes com os 10 mandamentos do chimarrão. E como chimarrão quero dizer aquele do Sul do Brasil*. Reproduzo ele aqui:

01- NÃO PEÇAS AÇÚCAR NO MATE
O gaúcho aprende desde piazito o porquê o chimarrão se chama também mate amargo ou, mais intimamente, amargo apenas. Mas se tu és de outros pagos, mesmo sabendo, poderá achar que é amargo demais e cometer o maior sacrilégio que alguém pode imaginar nesse pedaço do Brasil: pedir açúcar. Pode-se por água, ervas exóticas, cana, frutas, feldspato, dollar, etc… mas jamais açúcar. O gaúcho pode ter todos os defeitos do mundo, mas não merece ouvir um pedido desses. Portanto, tchê, se o chimarrão te parece amargo demais, não hesites, pede uma coca-cola com canudinho. Tu vais te sentir bem melhor.

(m: e pensar que isso acontece sempre... vale a pena divulgar mesmo o mandamento!)
 
02- NÃO DIGAS QUE O CHIMARRÃO É ANTI-HIGIÊNICO
Tu podes achar que é anti-higiênico por a boca onde todo mundo põe. Claro que é. Só que tu não tens o direito de proferir tamanha blasfêmia em se tratando de chimarrão. Repito: pede uma coca-cola de canudinho. O canudo é puro como a água de sanga (pode haver coliformes fecais e estafilococos dentro da garrafa, não nele).


03- NÃO DIGAS QUE O MATE ESTÁ QUENTE DEMAIS
Se todos estão chimarreando sem reclamar da temperatura da água, é porque ela é perfeitamente suportável por pessoas normais. Se tu não és uma pessoa normal, assume tuas frescuras (caso desejes te curar, recomendamos uma visita ao analista de Bagé). Se, porém, te julgas perfeitamente igual aos demais, faze o seguinte: vai para o Paraguai. Tu vai adorar o chimarrão de lá.

(m: antes que perguntem, sim eles tomam frio)
 
04- NÃO DEIXES UM MATE PELA METADE
Apesar da grande semelhança que existe entre o chimarrão e o cachimbo da paz, há diferenças fundamentais. Como o cachimbo da paz, cada um dá uma tragada e passa-o adiante, já o chimarrão não. Tu deves tomar toda a água servida até ouvir o ronco da cuia vazia. A propósito, leia logo o mandamento abaixo.




05- NÃO TE ENVERGONHES DO "RONCO" NO FIM DO MATE
Se, ao acabar o mate, sem querer fizer a bomba "roncar", não te envergonhes. Está tudo bem, ninguém vai te julgar mal-educado. Esse negócio de chupar sem fazer barulho vale para a coca-cola com canudinho que tu podes até tomar com o dedinho levantado.

(m: o ronco deixa o anfitrião satisfeito da aprovação e contentamento da visita, melhor não comprar briga)

06- NÃO MEXAS NA BOMBA
A bomba de chimarrão pode muito bem entupir, seja por culpa dela mesma, da erva ou de quem preparou o mate. Se isso acontecer, tens todo o direito de reclamar. Mas por favor, não mexas na bomba. Fale com quem te passou o mate ou com quem lhe passou a cuia. Mas não mexas na bomba, não mexas na bomba e, sobretudo, não mexas na bomba.

(m: e ali se aplica uma lei da física. Existe o modo correto de colocar a bomba justamente para não entrar ar e ficar "entupida". Sim, estudamos física também)


07- NÃO ALTERE A ORDEM EM QUE O MATE É SERVIDO
Roda de chimarrão funciona como cavalo de leiteiro. A cuia passa de mão em mão, sempre na mesma ordem. Para entrar na roda, qualquer hora serve, mas depois de entrar, espera sempre a tua vez e não queiras favorecer ninguém, mesmo que seja a mais prendada prenda do estado.

(m: motivo de brigas e piadas até dentro da própria família)

08- NÃO CONDENES O DONO DA CASA POR TOMAR O PRIMEIRO MATE
Se tu julgas o dono da casa um grosso por preparar o chimarrão e tomar ele próprio o primeiro mate, saibas que o grosso és tu. O pior mate é o primeiro, e quem toma está te prestando um favor.

(m: já que normalmente o mate é considerado muito forte pela visita, o anfitrião faz o favor de deixá-lo mais agradável ao paladar delicado...)

09- NÃO DURMAS COM A CUIA NA MÃO
Tomar mate solito é um excelente meio de meditar sobre as coisas da vida. Tu mateias sem pressa, matutando… E às vezes te surpreendes até imaginando que a cuia não é cuia, mas o quente seio moreno daquela chinoca faceira que apareceu no baile do Gaudêncio… Agora, tomar chimarrão numa roda é muito diferente. Aí o fundamental não é meditar, mas sim integrar-se à roda. Numa roda de chimarrão, tu falas, discutes, ris, xingas, enfim, tu participas de uma comunidade em confraternização. Só que essa tua participação não pode ser levada ao extremo de te fazer esquecer a cuia que está na tua mão. Fala quanto quiseres mas não esqueças de tomar o teu mate que a moçada tá esperando.

(m: até porque nesse meio tempo a erva se esfria, e o chimarrão seguinte será prejudicado. pense no próximo)

10- NÃO DIGAS QUE O CHIMARRÃO DÁ CÂNCER NA GARGANTA
Pode até dar. Mas não vai ser tu, que pela primeira vez pega na cuia, que irás dizer, com ar de entendido, que o chimarrão é cancerígeno. Se aceitaste o mate que te ofereceram, toma e esqueces o câncer. Se não der para esquecer, faz o seguinte: pede uma coca-cola com canudinho que ela… etc… etc…

(m: pode ser coca-cola zero ou light também...)


o porongo ainda fruto.

* Enquanto nos outros países da América do Sul o chimarrão é conhecido por mate (castelhano) e de origem individualista, o chimarrão brasileiro tem como principal característica a reunião dos amigos, da família, formando a roda em torno da cuia, que também é maior. Ultimamente a cuia menor vem sido adotada, principalmente porque na vida moderna a confraternização se tornou um pouco mais difícil. Mas nunca vai deixar de existir.

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