20111002

Buscando a primavera brasileira


Muito bem, depois de um tempo de ausência, eis que temos um novo post. "Novo" é modo de dizer já que na verdade eu vou traduzir uma publicaça;a muito bacana sobre o nosso mestre Oscar Niemeyer. 

'E muito legal ver que a Arquitetura Brasileira é reconhecida mundialmente através do nome dele. Quem entende um pouco do assunto, e aqui quase todos entendem muito de Arquitetura, Artes, Design, etc, conecta logo o Niemeyer quando eu falo que sou arquiteta brasileira. 

A constância não é o meu forte, e isso se percebe no histórico do blog. Talvez porque eu estava tentando aproveitar os dias já não tão longos aqui na Itália, começou a anoitecer as 19h, enquanto que apenas um mês atrás o sol raiava até as 21.30 da noite... Triste pensar que em setembro aqui não tem os pássaros e as flores me esperando, mas de qualquer maneira as folhas secas no chão também tem o seu charme. 

Mas vamos ao que interessa:

Logo que eu vi o título do post no blog pensei: PRECISO REPASSAR!!! O texto é longo mas vale a pena :) Se trata da reprodução de uma entrevista dada em 2005 para Gerard Fournier.
Mandei logo um e-mail para o Yul Akors, que administra esse blog sobre arquitetura e urbanismo muito bacana:

http://laboratoireurbanismeinsurrectionnel.blogspot.com/

Foi publicado em 25 de setembro de 2011:

Arquitetura e política: OSCAR NIEMEYER





É muito difícil para os arquitetos conciliar a prática profissional em uma sociedade capitalista com o compromisso político do comunismo. Oscar Niemeyer, arquiteto e comunista, acaba confessando em uma entrevista recente uma certa mea culpa sobre a sua óbvia contradição:
Eu me sinto deprimido com o projeto apresentado. Eu construí edifícios públicos para o Estado, eu trabalhei sempre para os ricos. Nada mais. Eu nunca trabalhei para as classes desfavorecidas, quando a maioria dos meus conacionais fazem parte delas.
 Oscar Niemeyer faz parte da alta burguesia do Rio de Janeiro: uma das avenidas mais bonitas da cidade tem o nome do seu avô, rico fazendeiro e então Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Pode nos parecer normal que o filho de uma família próspera, esclarecido e progressista, acabe trabalhando com um dos maiores arquitetos do século XX: Le Corbusier. Em seguida, abriu o seu próprio escritório, sendo requisitado para as obras do governo mesmo tendo declarado em alto e bom som o seu ingresso no Partido Comunista. Na entrevista, Niemeyer, nascido em 1907, conta um pouco da sua longa trajetória.

Brasília, pode ser considerado por você a realização da cidade ideal, um modelo de sociedade?

A idéia de Brasília partiu do então Presidente Juscelino Kubitschek, politicamente um homem de Centro. Eu, então progressista. Me filiei ao Partido Comunista em 1945, mas durante a construção da Capital, éramos conscientes da vida brasileira e acreditávamos que seria uma boa cidade. Mas no momento que a obra terminou, eu levei um choque: era uma cidade moderna, muito bonita, bem contruída, mas como todas as cidades brasileiras, ela continuava com a discriminação, com a injustiça, com a segregação entre ricos e pobres. Estes últimos, como nos grandes centros urbanos, ficaram fora da cidade que eles próprios construíram. 

Catedral de Brasília



Como isso foi possível?
Eu era responsável pela Arquitetura, apenas pela Arquitetura. Mas quando eu penso nas cidades, tento imaginá-las para todos os tipos de pessoa. O desenvolvimento industrial se afastou do centro urbano, e juntamente com a indústria, os seus operários. A cidade, para ser digna, deve reunir todas as atividades, todas as pessoas; Poderia ser realizável, desde que se trate os problemas das suas próprias bases. Até aqui é simples: que todas as indústrias não sejam poluentes. Mas um projeto como esse afeta o fundamento principal da sociedade capitalista. E sozinho o arquiteto não tem poder para alterá-lo. Ao menos ele pode se opor ao conceito das 'cidades-operárias', dos 'bairros e casas populares'. Os trabalhadores não necessitam dessa atenção. É necessário mudar a sociedade mas atualmente os projetos arquitetônicos são feitos para a sociedade, refletindo a si própria.
Esta dificuldade causa desconforto entre o militante de esquerda e a sua arte?
O Arquiteto não é um homem solitário. O importante é que se trata da vida, e você deve se sentir satisfeito. A literatura, a beleza, tudo faz parte da vida. E a arquitetura é como todo o mundo: ela quer ajudar e facilitar a todos, neste mundo, nesta realidade cada vez mais veloz.  
Lição de arquitetura e um símbolo
Um olhar para uma cidade diferente, sim, e mais bonita, mais fraterna, sem discriminação ou monotonia. Logo, acho que o estudo da arquitetura deveria se livrar das disciplinas que acarretam na 'engenharização das coisas' e ser melhor colocada no mundo em que vivemos. Nós temos que ir além e olhar para outras perspectivas. Melhorar também os barracos nas favelas. Como diria Pessoa: 'eu não leio literatura, sei tudo'.
 A arquitetura selvagem, individual e remendada que surgiu nos Estados Unidos, por exemplo, representa a vontade de fugir da funcionalidade? É simplesmente para escapar da monotonia repetitiva. Mas este é um caminho falso. Existe muito material a disposição, para estudarmos e entendermos, para construir obras como as antigas Igrejas,  encontrando o sentimento que Freud chamou de "oceânico".

Monumento JK. Brasília


Você acredita que o seu trabalho corresponde ao seu ideal como ativista político?
Não. Tudo o que eu faço é criar emoções. Mas o arquiteto não está sozinho, nem fica calado. Ele deve levantar a voz para denunciar o que ele condena, não se tornando cúmplice. Assim como o trabalho de Gorki ou de Garcia Marquez engajados politicamente. E também tem a parte de Proust, é isso e aquilo, indissoluvelmente.

O golpe militar obrigou Niemeyer ao exílio, passado na França, onde foi amigavelmente acolhido pelo Ministro Andre Malraux e seus companheiros comunistas franceses. Ele realiza então a sede do Partido Comunista Francês (PCF) e a Praça dedicada ao Coronel Fabien. Para financiar o então ousado projeto de avanguarda para a Sala Central do Comitê, conhecida como 'bolha', Niemeyer recusou os seus honorários.

A 'bolha' do Partido Comunista Francês


Oscar Niemeyer retornou ao Brasil somente em 1980 e sendo sempre fiel ao comunismo. E como tal ele se coloca ao lado da Revolução Cubana de Fidel Castro e da Perestroika de Gorbachev.


O seu compromisso com o comunismo ainda é o mesmo?
Eu estou feliz, continuo na mesma estrada. Eu saí da escola, de uma família burguesa e com meu avô como Ministro do Supremo Tribunal Federal. Percebi que era necessário mudas as coisas, e imediatamente. E o caminho era o Partido Comunista. Me afiliei e até hoje continuo nele, seguindo seja nos bons ous maus momentos, como a vida impõe. Quando eu falava em Arquitetura, eu costumava dizer que a vida é mais importante do que ela. Que a vida pode mudar muito mais as coisas do que a Arquitetura. Eu acredito e digo a todos, arquitetos e estudantes, que não basta sair da universidade para ser um bom arquiteto. Você tem que ter conhecimento sobre a vida humana, a sua miséria, o seu sofrimento, para então fazer a Arquitetura de verdade, para criar.
O importante é compreender a vida e a importância de mudar o mundo. Buscamos a coerência. Todas terças-feiras eu faço um encontro no meu escritório com estudantes, intelectuais, cientistas e letrados. Nós trocamos idéias sobre filosofia, política, sobre o mundo, queremos entender a vida, mudá-la, para então mudar o ser humano.
No entanto, em um primeiro momento eu sou pessimista. Eu penso que o ser humano tem muita pouca perspectiva, mas deve viver honestamente,  conviver. Na segunda fase, eu compreendo que devo ser menos pessimista para ser mais realista. Compreender que a vida pode ser implacável com as pessoas, que cada um há a sua história. Existem muitas injustiças. O meu engajamento no Partido Comunista me deu esperança, solidariedade para lutar por um mundo melhor.

sede da Editora Mondadori em Segrate, Itália.



Qual a sua opinião sobre a situação política do Presidente Lula no Brasil, e em particular, sobre a evolução política na América Latina em geral?

Precisamos transformar a América Latina em um pólo de batalha, resistindo ao imperialismo americano. Entender que o povo americano é igual a qualquer outro, mas que a sua política é uma ameaça a toda a América Latina. Devemos nos proteger. Eu gostaria que o Lula fosse o líder dessa luta. Nós não vemos o seu governo ser muito amigável com o americano. Mas eu não sou pessimista, o movimento popular e progressista toma força, dando a impressão que o povo quer reagir a tudo isso.
Eu acho que quando a vida é muito difícil, a esperança brota do coração dos homens. Temos que lutar, temos que fazer a revolução. Não podemos tentar melhorar o capitalismo: ele é a fonte do que tem de pior no mundo. Precisamos de pessoas jovens engajadas, envolvidas para entrar na luta. Eu sei que o momento não é o mais proprício, mas temos que ter esperança.





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