Muito bem, depois de um tempo de ausência, eis que temos um novo post. "Novo" é modo de dizer já que na verdade eu vou traduzir uma publicaça;a muito bacana sobre o nosso mestre Oscar Niemeyer.
'E muito legal ver que a Arquitetura Brasileira é reconhecida mundialmente através do nome dele. Quem entende um pouco do assunto, e aqui quase todos entendem muito de Arquitetura, Artes, Design, etc, conecta logo o Niemeyer quando eu falo que sou arquiteta brasileira.
A constância não é o meu forte, e isso se percebe no histórico do blog. Talvez porque eu estava tentando aproveitar os dias já não tão longos aqui na Itália, começou a anoitecer as 19h, enquanto que apenas um mês atrás o sol raiava até as 21.30 da noite... Triste pensar que em setembro aqui não tem os pássaros e as flores me esperando, mas de qualquer maneira as folhas secas no chão também tem o seu charme.
Mas vamos ao que interessa:
Logo que eu vi o título do post no blog pensei: PRECISO REPASSAR!!! O texto é longo mas vale a pena :) Se trata da reprodução de uma entrevista dada em 2005 para Gerard Fournier.
Mandei logo um e-mail para o Yul Akors, que administra esse blog sobre arquitetura e urbanismo muito bacana:
http://laboratoireurbanismeinsurrectionnel.blogspot.com/
Foi publicado em 25 de setembro de 2011:
Arquitetura e política: OSCAR NIEMEYER
É muito difícil para os arquitetos conciliar a prática profissional em uma sociedade capitalista com o compromisso político do comunismo. Oscar Niemeyer, arquiteto e comunista, acaba confessando em uma entrevista recente uma certa mea culpa sobre a sua óbvia contradição:
Eu me sinto deprimido com o projeto apresentado. Eu construí edifícios públicos para o Estado, eu trabalhei sempre para os ricos. Nada mais. Eu nunca trabalhei para as classes desfavorecidas, quando a maioria dos meus conacionais fazem parte delas.
Oscar Niemeyer faz parte da alta burguesia do Rio de Janeiro: uma das avenidas mais bonitas da cidade tem o nome do seu avô, rico fazendeiro e então Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Pode nos parecer normal que o filho de uma família próspera, esclarecido e progressista, acabe trabalhando com um dos maiores arquitetos do século XX: Le Corbusier. Em seguida, abriu o seu próprio escritório, sendo requisitado para as obras do governo mesmo tendo declarado em alto e bom som o seu ingresso no Partido Comunista. Na entrevista, Niemeyer, nascido em 1907, conta um pouco da sua longa trajetória.
Brasília, pode ser considerado por você a realização da cidade ideal, um modelo de sociedade?
A idéia de Brasília partiu do então Presidente Juscelino Kubitschek, politicamente um homem de Centro. Eu, então progressista. Me filiei ao Partido Comunista em 1945, mas durante a construção da Capital, éramos conscientes da vida brasileira e acreditávamos que seria uma boa cidade. Mas no momento que a obra terminou, eu levei um choque: era uma cidade moderna, muito bonita, bem contruída, mas como todas as cidades brasileiras, ela continuava com a discriminação, com a injustiça, com a segregação entre ricos e pobres. Estes últimos, como nos grandes centros urbanos, ficaram fora da cidade que eles próprios construíram.
Catedral de Brasília |
Como isso foi possível?
Eu era responsável pela Arquitetura, apenas pela Arquitetura. Mas quando eu penso nas cidades, tento imaginá-las para todos os tipos de pessoa. O desenvolvimento industrial se afastou do centro urbano, e juntamente com a indústria, os seus operários. A cidade, para ser digna, deve reunir todas as atividades, todas as pessoas; Poderia ser realizável, desde que se trate os problemas das suas próprias bases. Até aqui é simples: que todas as indústrias não sejam poluentes. Mas um projeto como esse afeta o fundamento principal da sociedade capitalista. E sozinho o arquiteto não tem poder para alterá-lo. Ao menos ele pode se opor ao conceito das 'cidades-operárias', dos 'bairros e casas populares'. Os trabalhadores não necessitam dessa atenção. É necessário mudar a sociedade mas atualmente os projetos arquitetônicos são feitos para a sociedade, refletindo a si própria.
Esta dificuldade causa desconforto entre o militante de esquerda e a sua arte?
O Arquiteto não é um homem solitário. O importante é que se trata da vida, e você deve se sentir satisfeito. A literatura, a beleza, tudo faz parte da vida. E a arquitetura é como todo o mundo: ela quer ajudar e facilitar a todos, neste mundo, nesta realidade cada vez mais veloz.
Lição de arquitetura e um símbolo
Um olhar para uma cidade diferente, sim, e mais bonita, mais fraterna, sem discriminação ou monotonia. Logo, acho que o estudo da arquitetura deveria se livrar das disciplinas que acarretam na 'engenharização das coisas' e ser melhor colocada no mundo em que vivemos. Nós temos que ir além e olhar para outras perspectivas. Melhorar também os barracos nas favelas. Como diria Pessoa: 'eu não leio literatura, sei tudo'.
A arquitetura selvagem, individual e remendada que surgiu nos Estados Unidos, por exemplo, representa a vontade de fugir da funcionalidade? É simplesmente para escapar da monotonia repetitiva. Mas este é um caminho falso. Existe muito material a disposição, para estudarmos e entendermos, para construir obras como as antigas Igrejas, encontrando o sentimento que Freud chamou de "oceânico".
Monumento JK. Brasília |
Você acredita que o seu trabalho corresponde ao seu ideal como ativista político?
Não. Tudo o que eu faço é criar emoções. Mas o arquiteto não está sozinho, nem fica calado. Ele deve levantar a voz para denunciar o que ele condena, não se tornando cúmplice. Assim como o trabalho de Gorki ou de Garcia Marquez engajados politicamente. E também tem a parte de Proust, é isso e aquilo, indissoluvelmente.
O golpe militar obrigou Niemeyer ao exílio, passado na França, onde foi amigavelmente acolhido pelo Ministro Andre Malraux e seus companheiros comunistas franceses. Ele realiza então a sede do Partido Comunista Francês (PCF) e a Praça dedicada ao Coronel Fabien. Para financiar o então ousado projeto de avanguarda para a Sala Central do Comitê, conhecida como 'bolha', Niemeyer recusou os seus honorários.
A 'bolha' do Partido Comunista Francês |
Oscar Niemeyer retornou ao Brasil somente em 1980 e sendo sempre fiel ao comunismo. E como tal ele se coloca ao lado da Revolução Cubana de Fidel Castro e da Perestroika de Gorbachev.
O seu compromisso com o comunismo ainda é o mesmo?
Eu estou feliz, continuo na mesma estrada. Eu saí da escola, de uma família burguesa e com meu avô como Ministro do Supremo Tribunal Federal. Percebi que era necessário mudas as coisas, e imediatamente. E o caminho era o Partido Comunista. Me afiliei e até hoje continuo nele, seguindo seja nos bons ous maus momentos, como a vida impõe. Quando eu falava em Arquitetura, eu costumava dizer que a vida é mais importante do que ela. Que a vida pode mudar muito mais as coisas do que a Arquitetura. Eu acredito e digo a todos, arquitetos e estudantes, que não basta sair da universidade para ser um bom arquiteto. Você tem que ter conhecimento sobre a vida humana, a sua miséria, o seu sofrimento, para então fazer a Arquitetura de verdade, para criar.
O importante é compreender a vida e a importância de mudar o mundo. Buscamos a coerência. Todas terças-feiras eu faço um encontro no meu escritório com estudantes, intelectuais, cientistas e letrados. Nós trocamos idéias sobre filosofia, política, sobre o mundo, queremos entender a vida, mudá-la, para então mudar o ser humano.
No entanto, em um primeiro momento eu sou pessimista. Eu penso que o ser humano tem muita pouca perspectiva, mas deve viver honestamente, conviver. Na segunda fase, eu compreendo que devo ser menos pessimista para ser mais realista. Compreender que a vida pode ser implacável com as pessoas, que cada um há a sua história. Existem muitas injustiças. O meu engajamento no Partido Comunista me deu esperança, solidariedade para lutar por um mundo melhor.
sede da Editora Mondadori em Segrate, Itália. |
Qual a sua opinião sobre a situação política do Presidente Lula no Brasil, e em particular, sobre a evolução política na América Latina em geral?
Precisamos transformar a América Latina em um pólo de batalha, resistindo ao imperialismo americano. Entender que o povo americano é igual a qualquer outro, mas que a sua política é uma ameaça a toda a América Latina. Devemos nos proteger. Eu gostaria que o Lula fosse o líder dessa luta. Nós não vemos o seu governo ser muito amigável com o americano. Mas eu não sou pessimista, o movimento popular e progressista toma força, dando a impressão que o povo quer reagir a tudo isso.
Eu acho que quando a vida é muito difícil, a esperança brota do coração dos homens. Temos que lutar, temos que fazer a revolução. Não podemos tentar melhorar o capitalismo: ele é a fonte do que tem de pior no mundo. Precisamos de pessoas jovens engajadas, envolvidas para entrar na luta. Eu sei que o momento não é o mais proprício, mas temos que ter esperança.
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